A reportagem conversou com dois empregados globais que se dispuseram a falar sobre a rotina de vazamento das informações, contanto que seus nomes fossem omitidos.
Um técnico com mais de uma década de empresa relata que repassa os roteiros há cinco anos. Segundo ele, não é difícil, mas deu muito medo na primeira vez que fez.
O funcionário conta que na época não tinha celular com câmera para fotografar o roteiro, como faz hoje, então precisava fotocopiar centenas de páginas por semana.
O "pirata" repassa o material para um amigo promoter que, por sua vez, negocia com os veículos. Cada parte fica com 50% do valor mensal. Esse intermediário encaminha os calhamaços (impressos ou em arquivo de PDF, de acordo com o gosto do cliente) para os veículos de comunicação.
Cada revendedor tem ao menos três "fontes" nas equipes técnicas do canal, já que é raro um funcionário emendar duas novelas das nove. Segundo outro pirata, só é possível conseguir essa renda extra quando se está trabalhando no horário nobre.
Os roteiros desse horário correspondem quase à totalidade do mercado. Um dos piratas afirma que apenas um veículo compra "I Love Paraisópolis", a novela global das 19h. Ele aponta a revista "Tititi", da editora Caras, como sua maior cliente. Procurada, a "Tititi" não quis se pronunciar.
Outro pirata disse que seu maior parceiro comercial é o site "Notícias da TV", hospedado no portal UOL, do Grupo Folha, que edita a Folha.
"Não é verdade que o ´Notícias da TV´ compra capítulos de novelas da Globo", afirma o editor Daniel Castro, que no entanto confirma receber a íntegra dos episódios de fontes secretas.
Segundo ele, os roteiros vêm "de pessoas de diferentes níveis hierárquicos".
"Recebemos os capítulos, os lemos e selecionamos os acontecimentos importantes, reproduzindo falas e descrevendo cenas com exatidão."
É duro identificar de quem vêm. Além de atores e direção, cenografia, técnicos, maquiagem e figurino recebem cópias do texto, para poder resolver questões práticas como, por exemplo, saber onde colocar microfones.
PRESTÍGIO NO ´SPOILER´
Adiantar o que acontece no folhetim é uma das formas de conseguir cliques, o equivalente a audiência na internet.
"Alguns autores nos oferecem eles mesmos os capítulos que escrevem, porque sentem-se prestigiados quando leem um ´spoiler´ de suas novelas no maior portal de internet do país", diz Castro.
O "F5", site de entretenimento da Folha, publica sinopses as enviadas pelas emissoras semanalmente. A Folha não paga por informações.
"Babilônia", que chega ao fim na sexta (28), foi saqueada pelos piratas durante seu curso, mas conseguiu resguardar seu final. Segue firme o mistério de quem matou Murilo (Bruno Gagliasso).
Talvez por esforço da Globo. Dois meses atrás, a maior emissora do Brasil pediu que seus funcionários respondessem a um questionário ético. "Uma das perguntas era: ´Se oferecessem R$ 30 mil por uma foto feita dentro do Projac ou o roteiro de um capítulo de uma novela, você venderia?´" Ambos os piratas responderam que não.
Questionada sobre o tráfico, a empresa respondeu com uma nota. "Todos os funcionários da Globo sabem que não podem divulgar ou comercializar informações internas da emissora." A prática fere o contrato empregatício e é "passível de demissão por justa causa", diz o canal, que não responde se já houve algum caso de punição.
"Compreendemos o interesse do público em saber o que ocorrerá nos programas e de veículos em antecipar informações. Procuramos atendê-los na medida entre promoção e surpresa", diz a nota.
Hollywood passa por problema semelhante, mas amplificado. Para evitar vazamentos, alguns estúdios guardam os textos em bunkers em que só se entra com identificação digital. Os contratos de funcionários preveem multas de milhões de dólares em caso de pirataria.
SEGREDOS
Walcyr Carrasco conseguiu manter o segredo do beijo gay que encerrou "Amor à Vida", em 2014, até minutos antes de o capítulo ir ao ar, conta suas táticas para evitar vazamentos. O autor diz que é bom ter um relacionamento próximo com todos os envolvidos nas filmagens. "Depende muito do compromisso que você tem com as pessoas que estão gravando. Se você tem pessoas em quem confia, elas não vão sair falando."
Ajuda também escrever vários finais. "É uma tática comum. Eu faço", diz Carrasco.
Não só ele. A trinca de autores de "Babilônia" (Gilberto Braga, Ricardo Linhares e João Ximenes Braga) deixou para escrever os últimos dez capítulos em cima da hora –os demais eram entregues com cerca de 15 dias de antecedência.
A gravação dos desfechos deve ocorrer na própria sexta (28) em que irá ao ar.
Enquanto isso, a mídia especula. A revista "Tititi" tem na capa "Depois de assassinar Murilo, Diogo mata Beatriz!", a concorrente "Minha Novela" sustenta: "Diogo se torna campeão olímpico".
Esse final, pelo jeito, dinheiro nenhum comprou.
AUTOR: Folha.com
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