Nas redes sociais, diz-se que um artista foi "cancelado" quando alguma atitude, posicionamento - ou, às vezes, a falta deles - decepciona os fãs. O uso do termo cresceu na esteira da recente polarização política do país.
Mas, nos anos 1970, quando o passarinho do Twitter ainda nem sonhava ser um ovo, algo parecido aconteceu com Wilson Simonal (1938-2000), então um dos rostos mais conhecidos da música popular. Teria sido ele o primeiro "cancelado" do pop brasileiro?
"Isso sempre existiu, não só aqui no Brasil, e acompanha qualquer tipo de artista", analisa Max de Castro, filho do cantor e também músico. "A história dele é importante para que a gente possa debater e amadurecer como sociedade."
A história, no caso, é a da ascensão meteórica de Simonal, com sucessos como "País tropical", "Nem vem que não tem" e "Mamãe passou açúcar em mim", e sua vertiginosa queda a partir de 1971.
Naquele ano, o cantor foi acusado de usar agentes do Dops, o órgão de repressão da ditadura militar no Brasil, para sequestrar e ameaçar um ex-contador, que ele desconfiava ser responsável por um desfalque em sua fortuna.
O desenrolar do caso levou Simonal a ser citado na imprensa como colaborador do regime.
Com fama de dedo-duro, acabou rejeitado pela indústria e pela opinião pública. Deprimiu-se, passou a ter problemas com álcool e permaneceu "cancelado" até o fim da vida, sempre negando que tenha delatado alguém aos militares.
O assunto é ponto crucial de "Simonal", cinebiografia que chega aos cinemas nesta quinta-feira (8).
"O filme é importante para mostrar que dá para destruir uma pessoa, uma família, por algo que pode ser uma convicção ou simplesmente um comentário", diz Max.
"Lobão até criou um termo, diz que não será 'simonalizado'", acrescenta. O cantor costuma usar a expressão ao falar da pressão de militantes de esquerda a artistas com posições contrárias.
"Se você é um artista mais independente nas atitudes - naquele momento político e também no paralelo com o que acontece hoje -, você fica muito fragilizado. Ao mesmo tempo em que é adorado, incomoda muita gente", avalia Wilson Simoninha, também filho de Simonal. Ele e o irmão trabalharam na trilha sonora do longa.
'Fake news'
A cinebiografia, dirigida por Leonardo Domingues, sustenta que o racismo potencializou as reações ao episódio de 1971. Também reafirma como "fake news" os boatos que circularam depois, segundo os quais o cantor teria denunciado colegas músicos ao Dops, tese nunca comprovada.
O filme ainda discute fatores que contribuíram para que a imagem de Simonal fosse ligada à da ditadura. Por exemplo, o fato de, diferentemente de artistas que usaram sua produção para contestar o regime, ter feito fama com músicas que exaltavam o Brasil - caso de "País tropical" (composição de Jorge Ben).
Além disso, o desinteresse em se posicionar claramente à esquerda ou à direita. "Foi dito que ele não se manifestava em relação à ditadura, mas ele foi chamado ao Dops porque escreveu 'Tributo a Martin Luther King'. Isso não é se posicionar?", questiona Fabrício Boliveira, protagonista do filme.
Transportando o debate para a realidade de hoje, Isis Valverde, que vive a mulher do cantor, Tereza Pugliesi, defende que "o silêncio já é uma posição".
"Não sou a favor de obrigar alguém a ter uma atitude diferente. Acho errado colocar alguém na fogueira por algo que, às vezes, ela nem tem conhecimento suficiente pra expor."
"Estão esperando [uma posição política] de pessoas que nunca disseram que iam fazer isso", completa Fabrício. Ele critica quem busca, no discurso de "heróis", um embasamento para as próprias opiniões.
"Temos acesso a muitas informações, sabemos de verdade o que está acontecendo. Cabe a você ter o seu posicionamento, para além de cobrar do outro."
AUTOR: G1
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